Ainda que tenha causado grandes transformações na sociedade desde o início da pandemia, o vírus SARS-CoV não era desconhecido da ciência. São muitas as variações existentes de SARS-CoV em circulação no mundo, o que ocorre é que, especificamente no caso do SARS-CoV-2, variação que causa a Covid-19, não havia registros de contaminação entre a espécie humana. Quando isso passou a ocorrer, o SARS-CoV-2 foi capaz de gerar a grave pandemia que o país enfrenta até hoje. Como consequência da rápida evolução dos casos, inúmeros estudos e pesquisas científicas se debruçaram a conhecer melhor o comportamento especificamente do SARS-CoV-2.
O médico Infectologista, Mestre em Saúde na Amazônia pelo Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Coordenador Médico de Pesquisas Clínicas do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Bernardo Porto Maia, aponta que muito sobre a fisiopatogenia da infecção pelo SARS-CoV-2 e da doença causada por ele, a Covid-19, já pode ser elucidado. “Sabemos se tratar de uma infecção respiratória de letalidade relativamente baixa (2,4%), porém de elevada infectividade, onde o mais importante é frear a transmissibilidade, através de prevenção combinada (higiene das mãos, etiqueta respiratória, distanciamento social e principalmente vacinação), para evitar que muitas pessoas adoeçam ao mesmo tempo, levando ao colapso do sistema de saúde, com esgotamento de leitos de UTI e de recursos necessários para o tratamento de formas moderadas a graves da doença, como o oxigênio suplementar”.
Ainda que não se tenha um medicamento que aja diretamente sobre o vírus causador da Covid-19, as experiências enfrentadas pelos profissionais de saúde neste um ano de pandemia possibilitam que, hoje, se conheçam alguns protocolos de manejo clínico que permitem dar ao paciente o suporte que ele precisa. “Por certo, hoje, após mais de 12 meses de pandemia; não só estamos mais preparados pela prática da lida diária com os pacientes e a doença, mas, principalmente, respaldados por evidências científicas robustas, que norteiam com segurança e eficácia nossas condutas, enquanto profissionais de saúde”, aponta Bernardo. “Ainda não existe tratamento precoce para COVID-19. Porém, hoje, sabemos como tratar os doentes, que cursam com formas moderadas a graves e, o mais importante de tudo: sabemos o que não fazer. Sabemos o que não dá certo e o que pode inclusive agravar o quadro dos pacientes, sem qualquer evidência de benefício”.
Em meio à corrida para atender aos pacientes que, em alguns casos, acabam desenvolvendo uma resposta inflamatória muito grande até que se chegue à necessidade de acompanhamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a atuação da ciência em outro campo possibilitou que se chegasse à realidade da vacinação contra a Covid-19 em menos de um ano desde a declaração do estado de pandemia. “A vacinação é uma conquista que só foi possível porque já se tinha um trabalho com outros vírus e com uma plataforma do SARS-CoV, mesmo que não fosse o SARS-CoV-2 já que ele apareceu no final de 2019”, pontua Marília Brasil Xavier, médica dermatologista e infectologista, pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade do Estado do Pará (Uepa). “Hoje a vacina é uma realidade. Ainda serão ampliados outros estudos sobre a eficácia dessa vacina em grande escala, sobre algum efeito adverso, mas a vacina vai nos possibilitar conhecer um pouco mais e, sobretudo, promover uma imunização de parcela da população de modo que toda a população seja protegida”.
Ainda que a vacinação já tenha iniciado em muitos países, a médica infectologista alerta que será necessário conviver com o vírus causador da Covid-19 por algum tempo. “Conviveremos com o SARS-CoV-2 assim como aprendemos a conviver com o vírus da Influenza, que foi o causador da última grande pandemia mundial. Se nós observarmos no passado, há 100 anos atrás, enfrentamos um problema também com o Influenza”, lembra Marília.
No cenário atual, os desafios acabam sendo maiores em decorrência da própria organização da sociedade, bastante diferente da encontrada um século atrás. “Os avanços que temos hoje, a globalização e a mobilidade das pessoas são muito grandes, o que faz com que seja mais difícil controlar essas variáveis necessárias como o distanciamento social”, considera a pesquisadora. “Mas essas medidas são importantíssimas e de responsabilidade social. Inegavelmente vamos continuar convivendo com o SARS-Cov-2 durante um bom tempo, com a vacina ainda em andamento. Destruir um vírus não é algo que se consiga facilmente, mas podemos vacinar, controlar, como já fazemos com o Influenza”.
Origem do vírus ainda é investigada
Dentre os avanços que a ciência ainda busca em relação ao vírus causador da Covid-19, o médico epidemiologista, pós-doutor em Saúde Pública e professor do Cesupa, Haroldo Matos, aponta que a origem da variante do SARS-CoV-2 ainda vem sendo debatida entre a comunidade científica. Haroldo lembra que no início de fevereiro de 2021 um grupo de epidemiologistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) viajou até Wuhan, província da China onde foram registrados os primeiros casos de Covid-19 no mundo, para tentar estabelecer a origem do vírus, já que ela ainda não está muito clara. “Esse vírus é um betacoronavírus cujo hospedeiro principal dele é uma espécie de morcego. Essa foi a primeira vez que a gente viu esse coronavírus circulando entre humanos, resultado desse processo da passagem de vírus de uma espécie para outra espécie”.
O professor, que tem atuado em pesquisas sobre a Covid-19 e que também é membro do Comitê de Gerenciamento da Covid-19 no âmbito do Cesupa, explica que essa passagem de vírus entre espécies já vem ocorrendo em outros vírus, como o próprio vírus Influenza que é derivado das aves. “Então esse processo de mutação de um vírus de uma espécie que se adapta a outra espécie tem sido cada vez mais comum e está na origem dos vírus emergentes. Os coronavírus, como fonte de doença humana, têm a sua origem nesse processo de passagem de uma espécie para outra”.
Na pandemia atual, que ainda vem sendo enfrentada, o vírus da Covid-19 apresenta uma alta taxa de mutação. “Essas variantes que temos observado surgir ao longo da pandemia, elas surgiram desde o início. Quando essa epidemia surgiu em Wuhan já se identificava duas variantes, logo no início, e depois uma série de outras variantes foram identificadas”, esclarece Haroldo. “Nessas variantes mais recentes e que têm recebido destaque, como a da Inglaterra, a da África do Sul e a Brasileira, o que chama a atenção é talvez essa maior capacidade de espalhamento, de transmissão. Talvez essa seria a grande dificuldade da pandemia”.
Nesse sentido, a vacina desponta, realmente, como a esperança de controle da pandemia, na medida em que se conseguir alcançar a imunização em torno de 70% da população. Até lá, o médico reforça a necessidade de manutenção das medidas de proteção que todos já conhecem. “O cenário atual ainda tem um grau de incerteza alto, mas podemos olhar para frente e ver que com essa estratégia de vacinação se ampliando é possível ter um controle dessa pandemia”, considera. “De qualquer modo, a gente sabe que apesar do início da vacina esse cenário ainda vai demorar um pouco, então a gente precisa continuar com o isolamento intenso, restrição da circulação e de contato entre pessoas, o uso de barreiras, como a máscara, e a higienização intensa das mãos. Essas medidas não farmacológicas vão continuar por um bom período de tempo”.
MUDANÇAS
O uso obrigatório de máscara e a necessidade de higienizar frequentemente as mãos foram apenas algumas das muitas mudanças enfrentadas pela sociedade desde o primeiro caso registrado no país e que, como apontam os médicos e pesquisadores, ainda precisarão ser mantidas. Quando reflete acerca das mudanças de comportamento vivenciadas, o fotógrafo Nonato Silva, 53 anos, até se surpreende com uma rotina tão diferente. “A minha rotina mudou completamente. O trabalho ficou mais restrito, não se pode sair de casa sem máscara ou álcool em gel”, considera. “No início da pandemia eu até esquecia de colocar a máscara e tinha que voltar para casa para pegar. Hoje eu já criei o hábito e de vez em quando pego no bolso para confirmar se o álcool em gel está lá. Eu posso até esquecer o celular em casa, mas a máscara eu não esqueço mais, virou costume”.
Os costumes que o microempreendedor Joaquim Nogueira, 61 anos, tinha antes da pandemia tiveram que ser drasticamente modificados para proteger a si mesmo e a quem se ama. As viagens realizadas junto ao grupo de ciclismo tiveram que ser suspensas, as saídas de casa foram reduzidas ao essencial e até mesmo a participação nas missas foram adaptadas. Dentre todas as mudanças, porém, a preocupação constante com a saúde da mãe é a que mais lhe afeta. “Para quem tem uma mãe de 90 anos em casa a preocupação é constante. Pensamos o tempo todo em como protegê-la”, conta, ao revelar os momentos mais difíceis que a situação da pandemia, infelizmente, impôs à vida de muitas famílias. “Hoje eu parei em frente à Basílica de Nazaré para pedir por um amigo que está intubado e precisa muito de oração. O que mais afeta a gente, nessa situação da pandemia, é ver pessoas queridas nessa situação”.
DOL
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