Nesta terça-feira (20), a Folha detalhou que documentos apresentados na CPI da Covid expõem contradições do time do ministro Paulo Guedes (Economia) sobre a elaboração da MP (medida provisória) das vacinas. Negacionismo e preocupação com risco fiscal atrasaram a compra com a Pfizer.
Planalto e Economia se alinharam contra exigências da farmacêutica americana. A resistência abriu a porteira da Saúde para a série de negociações suspeitas na aquisição de imunizantes.
O presidente Jair Bolsonaro e Guedes temiam, além de eventuais efeitos colaterais, a ameaça de judicialização. Futuras ações poderiam aumentar o passivo financeiro da União.A decisão do governo de cortar o artigo retardou o negócio. O contrato com a Pfizer só foi assinado em 19 de março graças a uma lei de iniciativa do Congresso que permitiu repassar o ônus ao poder público.
Nesse intervalo: 1) um cabo da PM negociou com a Saúde para fornecer vacina da AstraZeneca e disse ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose; 2) a pasta cogitou comprar Coronavac pelo triplo do preço; 3) um servidor relatou pressão atípica na aquisição da indiana Covaxin. Todos os três casos foram revelados pela Folha.
A Saúde ainda contratou, nesse período, dez milhões de doses da Sputnik a cerca de US$ 12 por unidade, por meio do laboratório União Química, enquanto governadores do Nordeste compraram a mesma vacina do Fundo Russo de Investimento Direto por cerca de US$ 10.
Em despacho enviado à CPI, o secretário-executivo adjunto da pasta comandada por Guedes, Miguel Ragone de Mattos, afirmou que "a manifestação do Ministério da Economia relativa à referida medida provisória restringiu-se à fase de sanção do projeto de lei de conversão nº 1, de 2021, no sentido de não haver na matéria tratada competência afeta".
Parecer jurídico da Saúde recomendava a avaliação do dispositivo da responsabilidade da União pelo Ministério da Economia, "eis que a matéria insere-se dentre sua área de competência". A análise nunca foi feita.
O documento assinado por Marcilândia Araújo, coordenadora-geral de Assuntos de Saúde e Atos Normativos do Ministério da Saúde, ainda lembrou que dispositivo equivalente já existia na Lei Geral da Copa, na qual o governo assumiu responsabilidades relacionadas ao torneio e ficou autorizado a oferecer garantias e contratar seguros.
À Folha o Ministério da Economia afirmou que não foi chamado a emitir um parecer e admitiu, embora não tenha apresentado esta resposta quando questionado pela CPI, a participação em discussões do texto da MP.
A pasta afirmou ainda que não se opôs a garantias e contratação de seguros. O posicionamento entra em choque com depoimentos do ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) e do ex-secretário-executivo Elcio Franco.
Sob o juramento de falar a verdade, eles disseram que houve impasse entre os ministérios. Franco foi além e culpou o time de Guedes.
"Aquele material [artigo da responsabilidade, garantias e seguro] foi retirado do texto dela [a minuta], por falta de consenso, como foi colocado. E foi particularmente do Ministério da Economia."
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou então que Guedes teria de ser convocado. Franco disse se referir à equipe, não ao ministro. O senador cobrou explicações da pasta.
Fontes que acompanharam os debates sobre negociações com a Pfizer relataram à Folha a resistência da Economia. O tema foi tratado por Pazuello, Guedes e Walter Braga Netto (então na Casa Civil), entre outros ministros.
Em uma reunião, ainda antes da elaboração da minuta da MP, Guedes se opunha à cláusula da Pfizer. Para ele, o assunto era privado e deveria se restringir à empresa interessada na venda e a quem aceitasse receber a dose.
Apesar de ter demonstrado oposição à compra por eventuais custos futuros à União, Guedes não apresentou uma estimativa de gastos. A argumentação foi genérica, de acordo com relatos de participantes do encontro.
A conversa entre os ministros não foi conclusiva. O Ministério da Economia afirmou que não comenta reuniões de Guedes com outras autoridades.
Posteriormente, a supressão do artigo pegou de surpresa técnicos da Saúde que trabalharam na elaboração da MP. Eles não foram informados do porquê da mudança.
Já técnicos da Economia afirmaram que estiveram em reuniões no Planalto sobre o tema. Contudo, negaram ter participado da construção do texto.
Uma fonte afirmou que a pasta chegou a iniciar discussão interna informal sobre o artigo exigido pela Pfizer, mas o debate não prosperou porque o dispositivo teria sido removido do texto antes de qualquer demanda formal.
Em dezembro, os debates foram conduzidos pela Casa Civil. Em paralelo, mais duas MPs estavam em jogo —uma, já editada, tratava da adesão ao consórcio de compra de vacinas Covax Facility e outra, de liberação de recursos.
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